terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sonho encadernado


O próprio Toninho fez questão de nos receber, naquela ensolarada tarde de quarta-feira. Usando calça jeans, cinto e sapatos pretos e camisa branca com as mangas cuidadosamente dobradas, ele abriu o portão com um discreto sorriso no rosto e estendeu a mão para cumprimentar um a um.

Tratava-se da entrevista que nortearia nosso projeto experimental da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, hoje chamado de TCC (trabalho de conclusão de curso). Nosso grupo havia decidido fazer um documentário sobre ocupação de áreas em Campinas.

O ano era 1999. Campinas vivia a expectativa do desfecho da maior invasão de terra de sua história. Milhares de famílias encheram de barracos uma área nobre do município, chamando a atenção de organismos nacionais e internacionais, que chegaram a rotulá-la de maior ocupação da América Latina.

Mas voltemos à casa do Toninho. Ao entrar, nos deparamos com um pedaço da história de Campinas. Mal sabíamos que estávamos em um imóvel construído entre os séculos 18 e 19. A Casa Grande teria sido edificada por volta de 1830 e a Tulha, imponente barracão rebocado com barro, em idos de1790. Portanto, caminhávamos por um adormecido templo da produção cafeeira.

Toninho nos conduziu à sala da Casa Grande, onde objetos antigos e uma enorme estante de livros contrastavam com uma moderna e ampla mesa de vidro. O chão nos assustou inicialmente. Uma espessa grade de ferro provocava sensação de insegurança, ao mesmo tempo em que permitia a observação de um porão escuro, com raios de luz evidenciando partes de esculturas.

Sobre a mesa, com uma capa vermelha, o mais volumoso e importante título do acervo. Fruto de dez anos de dedicação, a tese de doutorado do arquiteto - “Campinas, das origens ao futuro” - repousava em lugar de destaque. "Estou fazendo a última revisão", disse Toninho. O grosso tomo reunia a história da formação territorial de Campinas, com peculiaridades que permitiriam a elaboração de projetos urbanísticos futuros.

Saímos daquele conjunto histórico, recentemente reconhecido como patrimônio nacional, maravilhados. Não só com a riqueza documental e arquitetônica, mas principalmente com a lucidez, a inteligência, a simplicidade e a clareza de ideias de Antonio da Costa Santos.

Nós concluímos nosso projeto, um documentário intitulado "Cidade de Tábuas". Toninho, por sua vez, foi eleito prefeito no ano seguinte. Antes, porém, de completar um ano de governo, foi brutalmente assassinado. Penso que o que sonhou para a cidade que amava ficou nas entrelinhas daquele livro. Pobre Campinas...