quarta-feira, 27 de junho de 2012

Maldita hipocrisia

O bilhete por meio do qual uma professora da rede pública de Sumaré aconselhou os pais a serem mais duros com um pré-adolescente indisciplinado virou notícia no país inteiro - http://migre.me/9Ezp7. Onde já se viu uma educadora, que deveria pregar o politicamente correto, recomendar que uma criança seja educada na base de cintadas e de varadas?

Pois é. Não tenho procuração para falar em nome da docente, mas acredito que ela tenha tentado restabelecer a ordem das coisas. Há algum tempo, uma inversão social eximiu pais e responsabilizou escolas pela formação do caráter de estudantes cada vez mais abandonados por famílias focadas única e exclusivamente na elevação da renda.

Enquanto pai e mãe “dão duro” para proporcionar mais conforto aos filhos, uma enorme lacuna vai surgindo entre eles. Em vez dos ensinamentos paternos, essas crianças acabam sendo educadas por atrações televisivas, programas de mensagens instantâneas e jogos eletrônicos questionáveis do ponto de vista pedagógico.

Na ausência dos pais, a difícil tarefa de educar recai sobre os massacrados professores, que superam condições precárias e ignoram baixos salários para encarar o desafio de disciplinar futuros cidadãos “contaminados” pela avalanche de informações que invade os lares por um número cada vez maior de plataformas, sem o crivo necessário.

A hipocrisia e o politicamente correto que ditam as convenções e ocultam o lado prático das coisas recomendarão a crucificação da educadora. Dirão que ela até está certa, mas perdeu a razão ao oficializar seu pensamento num bilhete dirigido aos pais, que seu pensamento está na contramão da polêmica lei da palmada etc.

Eu tenho 37 anos, nunca dei trabalho aos meus professores, mas apanhei quando necessário na infância e na adolescência e não tenho do que reclamar. Não sou traumatizado (pelo menos eu acho) e tampouco defendo as palmadas como método eficiente de educação. Porém, não as considero um recurso totalmente descartável.

Há situações em que o pai precisa impor limites. Seja com um simples olhar, uma palavra dura, uma palmada ou até mesmo uma cintada. Por que, não? Se ele percebe que está perdendo o controle e corre o risco de entregar à sociedade um cidadão que não respeita os direitos do outro, tem a obrigação de agir energicamente.

O que lhe parece mais sensato: criar um “monstro” dentro do politicamente correto ou um cidadão consciente de seus direitos e deveres com algumas palmadas? Pare, reflita e verá que a conduta da educadora sumareense não é tão absurda assim.

(*) Artigo publicado na edição desta quarta, 27 de junho, no jornal O Liberal - www.liberal.com.br

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A morte do velho

Ele já estava bem velhinho, é verdade, mas sua morte, de forma abrupta e violenta, deixou uma legião de órfãos profundamente consternados e alguns invejosos tentando disfarçar a euforia com uma forçada fisionomia sisuda e um sorriso camuflado nos cantos da boca. Todos fizeram questão de cumprimentar os filhos do defunto e manifestar seus sentimentos pela perda irreparável.

O velho, que completaria 100 anos no dia 14 de abril de 2012, vivia no anonimato internacional havia quase 50 anos e curtia férias no Japão, virou notícia no mundo todo após ter sido brutalmente atropelado por um veloz carrossel ocupado por turistas espanhóis. O massacre correu o planeta e colocou em xeque o até então belo legado deixado pelo cansado marujo.

E os amigos chegavam e logo se dirigiam aos filhos do morto. Olhares, sorrisos, lábios contraídos, abraços, tapas nas costas, apertos de mão e palavras de consolo não confortavam aqueles pobres órfãos que conseguiam distinguir com precisão entre gestos sinceros e discursos previamente elaborados única e exclusivamente para travestir sentimentos de alívio, deboche e satisfação com o falecimento de um senhor que se tornara alvo de inveja e cobiça, principalmente nos últimos dez anos.

Iniciado minutos depois da constatação do óbito, o velório durou dois longos dias. Período em que os filhos do quase centenário foram ininterruptamente sabatinados. A grande maioria das pessoas era claramente movida pelo sadismo, mas também havia aqueles realmente preocupados com o inevitável impacto que aquela morte provocaria em suas vidas.

Uns dizem que se sua partida estabelecerá uma nova ordem mundial. Outros, mais cautelosos, acreditam que se trata apenas de um momento previsto pelo naturalista britânico Charles Darwin. No entanto, as duas correntes concordam que o trágico acidente envolvendo o líder de um dos vilarejos mais famosos do globo terrestre merece um lugar de destaque na história.

O velho se foi na manhã de domingo. E levou consigo seus sonhos e a soberba que o colocava acima dos outros e fazia com que seus compatriotas se achassem os donos do mundo. Eu sou um dos órfãos da história. Mas tenho certeza de que não permanecerei nessa condição por muito tempo.

Afinal, enquanto tremular a bandeira com as cores preferidas do velho Leão do Mar, sempre haverá um grupo de órfãos pronto para o milagre de sua ressurreição. Até lá, respeitemos o luto e a dor da família, pois não sabemos o que o futuro nos reserva. Hoje foi o rei do vilarejo, amanhã pode ser um idoso parente seu. Pense nisso.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Deite nos trilhos!

Sugerida pelo amigo jornalista Marcelo Lopes da Rocha, a leitura de uma reportagem da revista “Superinteressante” do mês passado (http://migre.me/62KGe) me inspirou a conclamar todos os usuários negligenciados e mal atendidos pelo SUS - e, acima de tudo, meio malucos - para um tratamento alternativo de doenças como colesterol, pressão alta, reumatismo, diabetes e insônia.

Nos arredores de Rawa Buaya, em Jacarta, capital da Indonésia, é comum observar idosos deitados na linha férrea diariamente, sempre depois das 17h. Para eles, os trilhos são extensas câmaras medicinais. As autoridades locais não sabem explicar a origem do fenômeno, mas admitem que os pacientes se arriscam por conta da inoperância da rede pública e por não terem condições de pagar planos de saúde.

Como por aqui a situação não é diferente, imagine se todos os doentes descontentes resolvessem relaxar nos trilhos em busca de cura? Com certeza faltariam lugares na ferrovia que corta a região. Por outro lado, a vocação terapêutica da linha férrea seria uma bela substituta para o transporte de cargas, hoje marcado por descarrilamentos decorrentes da falta de manutenção das estradas de ferro.

Na Indonésia, o fenômeno está chamando a atenção do governo. As autoridades montaram um esquema especial de vigilância, para reprimir e multar os “pacientes” das linhas férreas. Quem for flagrado deitado nos trilhos pode ser multado em R$ 3 mil e até ir parar na cadeia. O lado positivo disso tudo é a movimentação do poder público local para desestimular a perigosa prática. "Não tem funcionado (a ação repressiva). Para tirar as pessoas dos trilhos temos que fornecer saúde de qualidade", disse o chefe da Secretaria de Transporte de Jacarta, Azas Tigor.

Seguindo o exemplo indonésio, quem sabe deitar nos trilhos, em que pese o eminente risco de atropelamento, não seja uma forma de protestar contra o sucateamento da rede pública de saúde? É claro que os moradores de Jarcarta não agem politicamente. Para eles, o apelo às ferrovias mais parece resultado de uma ação individual que ganhou repercussão coletiva.

Particularmente, brincadeiras à parte, vejo o inusitado fato, convertido em reportagens veiculadas em jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão, como uma involuntária crítica à precariedade escancarada em unidades básicas, prontos-socorros e hospitais públicos do Brasil e do mundo. A mensagem que fica é a seguinte: ou os governos investem em saúde ou teremos cidadãos deitados em linhas férreas, rodovias e até boiando em rios. Tudo em nome da tão sonhada cura.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O choro de um gênio

“Agora eu faria qualquer coisa para ter você de volta ao meu lado. Mas eu só fico rindo, escondendo as lágrimas em meus olhos”. A mesma música que levou o saudoso Ayrton Senna às lágrimas na edição de 15 de dezembro de 1986 do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, carrega o pensamento de milhões de brasileiros que ficaram órfãos naquela fatídica manhã de 1º de maio de 1994, quando o gênio da Fórmula 1 morreu ao bater violentamente sua Williams contra o muro da curva Tamburelo, no Grande Prêmio de Ímola, na Itália.

Revendo a entrevista na noite de segunda-feira, confesso que fiquei emocionado mais uma vez. Apesar de já ter assistido ao histórico programa pelo menos uma dúzia de vezes, foi impossível não ceder à simplicidade, à autenticidade, à sinceridade e ao patriotismo de um homem que desafiou a morte com paixão, determinação, extremo orgulho de ser brasileiro e nunca deu bola para o maior destruidor de caráteres que existe, a ganância. "O que eu menos penso é no dinheiro que eu ganho”, dizia Ayrton, que nunca escondeu sua riqueza e a importância que dava a ela no dia a dia.

Senna ouviu a canção “Boys don’t cry”, da banda The Cure, vendo uma das cenas mais marcantes da história do esporte. Depois de fazer a pole position em Detroit naquele mesmo ano, o piloto da Lotus venceu a corrida e fez pela primeira vez o gesto que viraria sua marca registrada. “Quando eu passei na linha de chegada, eu vi um brasileiro do lado de lá da cerca, pra trás do bandeirinha, com uma bandeirinha do Brasil. Aí o bandeirinha foi lá, tomou a bandeira do torcedor que estava pendurado lá na cerca. Entendeu, isso é que é maravilhoso, né? O cara torcendo, né, e trouxe a bandeira para mim e eu dei a volta com a bandeira”, relembrou, emocionado, ao responder à pergunta do jornalista Rodolpho Gamberini.

Mas o que me chama a atenção nas contidas lágrimas de Ayrton Senna não é simplesmente a emoção. Além das gotas de água salgada, verteu dos olhos do ilustre brasileiro uma metafórica declaração de amor ao povo brasileiro. Muita gente acha que Senna não passou de um playboy que usava o automobilismo para torrar a fortuna da família. Porém, felizmente, a maioria entendeu que a abundância financeira o levou a se concentrar em duas coisas: fazer o que realmente lhe dava prazer e demonstrar o orgulho que tinha de ser brasileiro. Pelo Twitter, a TV Cultura já anunciou que vai reprisar a entrevista nos primeiros 30 minutos desta sexta-feira. Provavelmente, vou rever o programa. E certamente me emocionarei de novo.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sonho encadernado


O próprio Toninho fez questão de nos receber, naquela ensolarada tarde de quarta-feira. Usando calça jeans, cinto e sapatos pretos e camisa branca com as mangas cuidadosamente dobradas, ele abriu o portão com um discreto sorriso no rosto e estendeu a mão para cumprimentar um a um.

Tratava-se da entrevista que nortearia nosso projeto experimental da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, hoje chamado de TCC (trabalho de conclusão de curso). Nosso grupo havia decidido fazer um documentário sobre ocupação de áreas em Campinas.

O ano era 1999. Campinas vivia a expectativa do desfecho da maior invasão de terra de sua história. Milhares de famílias encheram de barracos uma área nobre do município, chamando a atenção de organismos nacionais e internacionais, que chegaram a rotulá-la de maior ocupação da América Latina.

Mas voltemos à casa do Toninho. Ao entrar, nos deparamos com um pedaço da história de Campinas. Mal sabíamos que estávamos em um imóvel construído entre os séculos 18 e 19. A Casa Grande teria sido edificada por volta de 1830 e a Tulha, imponente barracão rebocado com barro, em idos de1790. Portanto, caminhávamos por um adormecido templo da produção cafeeira.

Toninho nos conduziu à sala da Casa Grande, onde objetos antigos e uma enorme estante de livros contrastavam com uma moderna e ampla mesa de vidro. O chão nos assustou inicialmente. Uma espessa grade de ferro provocava sensação de insegurança, ao mesmo tempo em que permitia a observação de um porão escuro, com raios de luz evidenciando partes de esculturas.

Sobre a mesa, com uma capa vermelha, o mais volumoso e importante título do acervo. Fruto de dez anos de dedicação, a tese de doutorado do arquiteto - “Campinas, das origens ao futuro” - repousava em lugar de destaque. "Estou fazendo a última revisão", disse Toninho. O grosso tomo reunia a história da formação territorial de Campinas, com peculiaridades que permitiriam a elaboração de projetos urbanísticos futuros.

Saímos daquele conjunto histórico, recentemente reconhecido como patrimônio nacional, maravilhados. Não só com a riqueza documental e arquitetônica, mas principalmente com a lucidez, a inteligência, a simplicidade e a clareza de ideias de Antonio da Costa Santos.

Nós concluímos nosso projeto, um documentário intitulado "Cidade de Tábuas". Toninho, por sua vez, foi eleito prefeito no ano seguinte. Antes, porém, de completar um ano de governo, foi brutalmente assassinado. Penso que o que sonhou para a cidade que amava ficou nas entrelinhas daquele livro. Pobre Campinas...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Chega de sedentarismo

“Carlos, seus níveis de gordura estão um pouco alterados. Evite doces, chocolates, frituras, carne gorda, açúcar, refrigerantes e faça exercícios físicos regularmente”. Embora o “doutor” Google (muitas vezes, vou ao “consultório médico” sem sair de casa) já tivesse me advertido sobre os riscos de estar com triglicérides 285 e com as chatas siglas HDL e LDL descompensadas, o pronunciamento da médica foi um novo divisor de águas na minha vida.

Eu já havia iniciado a dieta e uma rotina diária de exercícios físicos por conta própria, uma semana antes, logo após interpretar o exame de sangue e buscar recomendações médicas virtuais para o reequilíbrio do organismo. No entanto, saí do consultório preocupado com minha alimentação, decidido a reeducá-la, e a retomar a prática esportiva, tornando-a uma atividade presente no meu cotidiano pelo resto dos meus dias.

Aumentei o consumo de vegetais (e olha que sempre exagerei na ingestão de frutas, verduras e legumes), cortei de vez os sedutores refrigerantes, o açúcar dos sucos e reduzi a participação da carne vermelha no cardápio. O pão normal deu lugar aos ricos em fibras (sete grãos, ômega etc), o queijo prato foi substituído por similares brancos e as carnes fritas perderam espaço para os grelhados. Ainda não consegui abrir mão do leite integral, mas chego lá.

Ganhei um tênis de corrida da minha esposa e comprei uma chuteira. Já comecei a correr diariamente. Minha próxima meta é voltar a jogar futebol, pelo menos, uma vez por semana e assim coroar o fim do meu longo e até então cômodo relacionamento com o sedentarismo, um mal terrível que se instala em pessoas com profissões estressantes e desencadeia uma série de doenças silenciosas que vão matando a doses homeopáticas.

Em apenas oito dias, já notei diferença. Perdi quase três quilos, me sinto mais disposto e cada vez menos contrariado por ter de acordar mais cedo todos os dias. Quem é jornalista e trabalha em redação, por exemplo, sabe que a adrenalina do dia a dia e o ritmo do ambiente de trabalho retardam o sono e protelam o despertar.

Por enquanto, estou atribuindo o desequilíbrio dos níveis de gordura ao meu precário modo de vida. No entanto, farei uma detalhada investigação familiar para saber o que pode vir pela frente. Afinal, quando era adolescente eu não imaginava que um dia pudesse ficar careca. Na época, tinha como referências meu pai e meu avô paterno. Entretanto, fui surpreendido anos depois pela herança genética do ascendente materno e cada vez tenho menos cabelo.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Um dia com Amy Winehouse

O trágico fim da controversa cantora britânica Amy Winehouse, encontrada morta em sua casa na tarde do último sábado, me levou a uma agradável e esclarecedora viagem no tempo. Enquanto refletia sobre a linha tênue entre a vida e a morte e a importância das escolhas que fazemos nessa imprevisível e indecifrável equação, fui transportado para aquela fria tarde de 18 de maio de 2009.

Em férias, eu e minha esposa Carla Marton desfrutávamos de nossa primeira - e, até agora, única - viagem internacional. Deixamos o Hotel Tavistock, localizado a pouco mais de uma quadra da estação de metrô Russell Square, em Londres, depois de um café da manhã exageradamente calórico, para um dia que marcaria nossas vidas para sempre. Destino inicial: museu Madame Tussauds, famoso pela perfeição de suas estátuas de cera, esculpidas à semelhança de atores, cineastas, cantores, músicos, atletas, ícones políticos, figuras da realeza mundial etc, e instalado num prédio de arquitetura esférica situado na famosa Baker Street, território fictício do lendário detetive Sherlock Holmes.

Entre as muitas estátuas, a de Amy Winehouse ocupa lugar de destaque. Além de ser patrimônio da cultura britânica, a jovem sempre exerceu relativo fascínio sobre o público, por conta de seu incontestável talento, sua personalidade enigmática e do modo de vida desregrado. Tanto que sua réplica era umas das mais concorridas da exposição. Ficamos cerca de dez minutos ao redor da estátua, admirando-a, tirando fotos e atendendo pedidos de turistas de diversas nacionalidades: “Can you take a picture, please?”

Saindo do museu, seguimos para uma Londres alternativa, o bairro Camden Town, refúgio da cantora britânica. Logo ao emergir da estação que leva o nome daquele colorido caldeirão de estilos e gostos peculiares, entendemos por que Amy se sentia tão à vontade por ali. As ruas são tomadas por feiras nada convencionais, inúmeros estúdios de tatuagem e piercings, além de lojas de roupas e acessórios que fazem a cabeça de pessoas, digamos, mais descoladas.

Caminhando pela Camden Town Square, onde morava a cantora, sentimos uma atmosfera diferente. Algo multicultural, sei lá... A impressão que tivemos foi de que ali o mundo não tinha fronteiras, regras e limites. Tudo era válido e sem qualquer traço de preconceito ou discriminação. Acho que foi isso que seduziu Amy e a fez acreditar que era invencível. Que seu legado resistirá ao tempo não se discute. Porém, sua morte chama a atenção para os limites do corpo humano e para a necessidade de equilíbrio na condução da vida.